Paz é um processo bipolar e multidimensional. É tema que envolve
conceitos abstratos e também fatos concretos, é individual e social, é da natureza
inata e por outro lado de fatores adquiridos.Como doutrina ou ideologia a paz está relacionada com algum sistema de
crença que dá origem aos dogmas pacifistas e quando este se institucionaliza,
surge a necessidade de algum sistema de ação que envolve algum pragmatismo.
Desta maneira, a duradoura discórdia entre dogmatismo e pragmatismo resulta
em paz.A paz é um problema individual, porque tem as suas raízes no sistema
motivacional da personalidade. É necessário que o ser humano sinta a
necessidade, apresente a tendência, experimente o desejo e, em resumo, seja
compelido em direção da meta de um estado pacífico para participar ativamente,
direta ou indiretamente, no estabelecimento do processo de paz.
A necessidade de paz é natural e inata na sua origem e adquirida enquanto
se consagra e desenvolve. A condição de paz, seja no indivíduo ou num povo,
disse Platão (1), não pode ser estabeleci da a não ser que exista um estado de
paz interna, isenta de impulsos violentos e tendências agressivas.
Os preâmbulos acima mencionados, demonstram a bipolaridade ou
dicotomia do processo de paz. Necessita-se, porém, de uma aproximação
analítica para se chegar a bases lógicas.A pesquisa da paz é decepcionante, pois na literatura científica não se
encontrará nada mais que os fatos amargos, coligidos e investigados, sobre a
guerra, como se fosse através da guerra que se chega a conhecer a paz. Esta
estranha realidade torna-se mais evidente, quando em obras escritas por
especialistas nos deparamos com declarações como essas: "...a paz é apenas
ausência de guerra..." ou "Se desejas a paz, prepara-te para a guerra". Há uma
grande diferença entre a primeira declaração e uma outra que poderia ser assim :
"A guerra é apenas ausência de paz". A primeira vista, a· diferença pode parecer
ilusória. Se, entretanto, examinarmos o assunto com cuidado, vamos observar que
a diferença é enorme, pois indica a dimensão cronológica e a prioridade de
ocorrência de um acontecimento - seja a paz - em relação ao outro - seja a guerra.
Na primeira declaração a guerra constitui o contexto, a base dos acontecimentos,
na qual no decorrer do tempo, seja periodicamente ou em ritmos, se intercalam
épocas de paz. "A paz é nada mais que o intervalo entre duas guerras", declarou
J. Giraudoux. Na segunda sentença - que a guerra é ausência de paz a paz é a
normalidade na qual ocasionalmente a guerra pode eclodir. Esta maneira de ver
propõe uma nova pergunta: Qual dos dois estados, paz ou guerra, constitui o
comportamento normal do homem? Com isto chegamos à própria natureza do
homem. O homem é em sua essência, bom ou mau? Se a sua índole é
naturalmente má, a guerra será uma resultante normal de sua conduta, mas se a
sua natureza for boa, a guerra deve ser considerada como um processo sócio-
patológico. A estas perguntas, a Fé Bahá'í pretende responder neste tratado.
Vamos dar um relance aos outros pontos de vista neste campo. As idéias
sobre a natureza humana estendem-se do pessimismo ao otimismo - das
assunções que a maldade e agressividade, por um lado, e a bondade e virtudes,
por outro, constituem as disposições centrais do homem e, portanto, de ordem
social. (H. P. Knowles & B. O. Saxber, 1979). (2)Pode-se considerar que em certos aspectos, Platão não tinha idéias
otimistas. A manutenção da paz, segundo ele, seria possíveI por meio do domínio
das elites (sentido platônico), baseado em um método puramente racional.
Homens, ele afirma, formam grupos sociais por necessidade. Assim ele se limitou
a um conceito utilitarista de contrato social.Entre os renomados pessimistas que consideram o homem como um meio
e não como um fim em si, pode-se citar N. Macchiavelli (1459-1527). "É mais
seguro temer-te do que te amar", disse ele. Estava convencido que o homem é um
ser ingrato, volúvel, hipócrita e cobiçoso. Para estabelecer a ordem, segundo ele,
somente o soberano tem capacidade de julgar os fins (N. Macchiavelli, 1513 - ed.
1950). (3)Th Hobbes (1651) (4) e A. Smith (5) estão entre os pessimistas. A teoria da
sobrevivência dos mais fortes baseada no princípio da concorrência vital de
Charles Darwin (1859), colabora com a corrente do pensamento pessimista.
S. Freud (1961), no quadro da teoria psico-analítica, apóia o ponto de vista
pessimista. "... Os impulsos primitivos, selvagens e maus do gênero humano,"
disse Freud, "não desapareceram em nenhum indivíduo, continuam nos homens,
mesmo em uma forma reprimida, e esses impulsos esperam uma oportunidade
para demonstrar suas atividades." C. Thompson (1957) (6), um dos discípulos de
S. Freud, afirma que: "a sociedade, por sua verdadeira natureza, força o
homem a reprimir cada vez mais sua agressividade endógena. Assim, no futuro,
quanto mais civilizado ficar, será potencialmente mais destrutivo."
Alguns pensadores foram mais longe e consideraram guerra como um
comportamento social normal dos homens. "A origem da guerra", escreveu H.
Bergson (1963) (7), "á o sentimento da posse, individual ou coletiva, e p 10 fato da
humanidade ser destinada a possuir, por sua própria estrutura, a guerra, então, é
natural. O instinto da guerra é tão forte, que é ela a primeira a ser descoberta,
quando arranhamos a superfície da civilização, na busca dos mistérios da
natureza."Pondo de lado as teorias biológicas de guerra, baseadas essencialmente no
conceito da luta pela vida, existe uma teoria etiológica que propõe o instinto
agressivo como sendo herdado do reino animal, e que presume, assim, a
existência da agressividade no homem (P. A. Corning, 1971).
PONTO DE VISTA OTIMISTAEntre os filósofos da Antigüidade, pode-se considerar Aristóteles (384-322
a.C,), como sendo um otimista.Para ele o homem sucede na organização da sociedade por meio de uma
lógica indutiva e pela aplicação de métodos empíricos. O impulso gregário é inato
no homem, conduzindo-o em direção da socialização e unificação (Ed.1980).
J. Locke (1632-1704) (8), como um otimista, pressupõe que o potencial do
homem é a razão, e a razão estabelece a cooperação como a base das relações
humanas (1689).Ashley Montagy (1962) (9), um antropologista, acredita que a sobrevivência
do homem é baseada sobre a cooperação e não sobre a competição.
Augusto Comte (1798-1857) (10), que pode ser considerado como o
fundador da sociologia, e sob certos aspectos como um dos fundadores da
psicologia social, é um otimista. Ele crê numa inclinação natural do homem para a
socialização e unificação.Nas páginas seguintes, vamos tentar analisar a paz numa perspectiva geral
e depois examinaremos a paz universal, tal como foi formulada pela Fé Bahá'í.
A PAZ NUMA PERSPECTIVA ANALÍTICAA palavra paz deriva etimologicamente do termo latino "pax", que significa
calma, tranqüilidade, benevolência e concórdia; e sendo muito próxima da palavra
pacisci, que significa concluir um pacto, tendo, portanto, uma significação
complexa: uma calma envolvida com um pacto, que representa os aspectos
semânticos, tanto intrínsecos como extrínsecos da palavra "paz".
Paz é um conceito, mas pode ser também um fenômeno. E um conceito porque
não existe fora da existência do homem que pensa sobre ela e crê como sendo
necessária. E também um fenômeno porque ela precisa ser realizada no plano
concreto para produzir seus efeitos na vida do homem.
RAZÃO E FÉA paz, portanto, precisa ser pensada e acreditada.
Poderia se pensar que acreditar é muito diferente de conceber e/ou formular um
conceito que é um processo de ordem superior. De fato, tal julgamento não pode
mais ser aplicado à capacidade cognitiva humana. Não existe nenhum processo
na vida mental do homem, seja racional ou outro, que não tenha um envolvimento
prévio com um estado afetivo. Nós pensamos sobre alguma coisa, quando nós
gostamos de fazê-lo, quando temos necessidade, quando temos uma inclinação
em direção dela, quando assim o desejamos, em resumo, quando estamos
motivados para pensar sobre isto. Todas as coisas que se manifestam na nossa
razão, disse A. Einstein e confirmou Bertrand Russell, passa primeiro pelo nosso
sistema afetivo. Qual é então o lugar da crença? Crer é um processo afetivo ou
cognitivo? Está claro que a crença pode pelo menos ser uma forma intuitiva do
conhecimento.Eis aqui o mistério da origem afetiva da crença. Ela, especialmente na sua
forma moral e religiosa, como um processo psicológico, está relacionada com a
forma intuitiva e sintética da consciência, enquanto o conhecimento se relaciona
com a sua forma cognitiva e analítica. A consciência humana como um todo é o
resultado da integração dessas duas formas de consciência. Da consciência
analítica emana a forma lógica do julgamento e, a consciência intuitiva é a origem
do julgamento afetivo· intuitivo. A consciência intuitiva, o conhecimento intuitivo e a
fé estão ligados a um sistema baseado sobre valores de natureza normativa; por
outro lado a consciência analítica, o conhecimento lógico e a razão são ligados a
um sistema baseado sobre fatos e pensamentos e são de natureza discursiva e
descritiva. A consciência intuitiva e seus processos relacionados não depende de
educação formal, mas da sua forma social e afetiva. Não é privativa de nenhuma
classe intelectual peculiar; pertence a todos. A consciência analítica, porém, e
seus corolários dependem do conhecimento adquirido, em outras palavras, de
aprendizagem formal. As duas consciências, a intuitiva e a analítica, cooperam
dentro de um processo ativo-retroativo. Quando um deles prepara o caminho para
a ação o outro faz o "feedback", testando as conseqüências do funcionamento do
primeiro. Uma ação apropriada serve então a ambas como reforçadora.
A fé provém da integração das duas espécies de consciências e dos seus
corolários, especialmente o conhecimento e a crença, e conduz à ação.
A paz, como conceito, requer pensamento e crença.Ela depende de um sistema de ação e, portanto, depende de:
1 - Consciência analítica e seus corolários e processos afins: forma analítica de
conhecimento, razão, julgamento lógico, pensamento lógico, mantidos e
orientados por uma educação e aprendizado formal.2 - Consciência intuitiva e seus corolários e processos afins: forma intuitiva de
conhecimento, crença, julgamento afetivo, e um sistema de valores, todos
mantidos e orientados por uma educação e um aprendizado social e afetivo.
3 - Ação proveniente de ambas as consciências e que afeta a essas por meio de
sua função retroativa.Torna-se claro, assim, até que ponto a Fé e a Paz são interdependentes.
Torna-se claro também porquê, para construir a paz, se envolvem tantos
elementos lógicos e tangíveis de um lado, com tantos emocionais e morais por
outro lado.A paz é um produto e ao mesmo tempo um estado da mente. E um produto
originário da mente, quando se manifesta na vida social sob a forma de ação. É
um estado da mente, porque a condição pacífica é essencial para a mente. Vamos
um pouco adiante e dizer que é um princípio da mente e até um princípio da
própria vida. Por quê?A homeostase fisiológica é definida como sendo a estabilidade e o equilíbrio
de sistemas e das funções do organismo dentro de determinados limites. Ela
envolve a capacidade orgânica de adaptações para se ajustar a transformações. A
homeostase geral é o equilíbrio entre as várias estruturas do ser humano, tanto as
mentais como as físicas. O conceito de homeostase pode se projetar do homem
para sistemas sociais, ecológicos, cósmicos, e assim por diante, que rodeiam o
ser humano, influenciam sua vida e se submetem a suas influências. Isto se refere
ao equilíbrio universal, isto é, à ordem universal.
Ela abrange o equilíbrio entre o indivíduo e outros indivíduos, um grupo
social com outros, uma etnia e outras etnias, uma nação e outras nações entre si,
em sua perspectiva social por um lado, e, por outro, o equilíbrio que existe entre o
ser humano e as estruturas ambientais e cósmicas. Não devemos esquecer,
porém, o papel fundamental da paz individual interna. A paz interna significa a
ausência de conflitos ansiogênicos internos, isto é, um estado mental e moral de
normalidade. Quando os conflitos entre a nossa consciência moral e os impulsos
instintivos são resolvidos de forma normal, e nós admitimos, com satisfação,
nossa submissão às normas da consciência moral, chegamos a um estado de paz
interna. A paz, neste caso, será a condição normal de vida no universo. Ela,
portanto, é um conceito e, ao mesmo tempo, um fenômeno universal.
DESEQUILÍBRIOOs habitantes das costas do Atlântico e do Pacífico, podem perder
eventualmente sua vida pacífica por causa de um violento ciclone, como por uma
guerra que está sendo travada em sua vizinhança.Quando nosso organismo é atacado por um agressor biológico, como um
vírus, um micróbio ou um parasita, uma verdadeira guerra se declara dentro de
nós e vários sistemas de defesa se levantam para repelir o agressor. Quando a
nossa mente é atacada por um estresse psicológico, por alguma emoção forte, o
agressor é de natureza ansiogênica. Enquanto os processos psicológicos de
defesa não neutralizarem os fatores estressantes, a nossa mente não estará em
paz. Quando duas nações entram em guerra, os seus povos sofrerão uma
convulsão que afeta todos os aspectos da ordem social. A vida moral, psicológica,
política, econômica, enfim toda a vida estará alterada. A paz é condição normal da
sociedade. Sua perturbação indica que em algum setor há desequilíbrio e, se este
não for tratado, todo o sistema corre perigo.Alguns irenistas e/ou polemistas (G. Bouthout 1974) (11), presumem que
guerra e paz são dois processos que se alternam periodicamente. Em outras
palavras, todo período de paz é seguido de um período de guerra. P. Calvert
(1983) (12), chega à conclusão que, "todos os estados modernos derivam suas
estruturas básicas políticas de um período de violentas convulsões e da
reconstrução". Se convulsão e reconstrução são considerados como os dois
processos essenciais ao desenvolvimento e a renovação de sistemas superados,
então se poderia inferir que estamos diante de ocorrências naturais que nada têm
a ver com violentas explosões de agressividade. Tal processo, dependendo do
caso; poderia ser chamado de metamorfose biológica ou social.
A vida, seja qual for a sua forma na hierarquia da existência, consiste de
nascimento, desenvolvimento, maturação, senilidade e morte. Isto se aplica não
só a organismos individuais, mas também a sociedades, doutrinas, ideologias etc.
Isto se aplica a todas as estruturas, tanto abstratas, como concretas. Todas essas
fases, dentro do seu curso normal, são acompanhadas por um processo
adequado de adaptação. Quando isto se refere a indivíduos humanos ou a
sociedades ou a tudo que seja relevante para estas, como doutrinas, ideologias e
outras, deve ser aceito com compreensão, satisfação e dignidade e os espíritos
devem se preparar para isto. A expectativa e a equanimidade devem encarar
inclusive a morte, seja de um indivíduo ou de um sistema de vida coletiva. A morte
é uma fase essencial ao processo evolutivo e de continuidade e não deve ser
entendida como extinção ou desaparecimento. Quando estas várias fases que
constituem a metamorfose biológica ou social, encontram obstáculo e resistência,
surgem conflitos internos que podem conduzir a profundas e intensas convulsões.
O fanatismo é um exemplo tópico da resistência involutiva ao curso normal das
doutrinas ou sentimentos religiosos, sociais ou políticos-ideológicos que precisam
evoluir. Quantas calamidades, tumultos e guerras, decorrentes do fanatismo,
afligiram e continuam a atormentar os povos, como a história testemunha!
Voltando ao assunto da periodicidade de paz e guerra, é evidente que esta
alternação existe, mas é preciso investigar as razões deste fenômeno. Constata-
se por um lado a falta de um esteio moral ou um quadro de orientação, que
cientificamente é um componente básico para o sistema das necessidades
humanas (E. Fromn 1941-1947-1973) (13, 14, 15). Por outro lado, as próprias
complicações da guerra e seus efeitos colaterais durante a paz, conduzem a
humanidade a uma involução moral que desperdiça o tempo, as energias e as
capacidades do povo por falta de diretrizes seguras. A combinação dessas duas
circunstâncias não permite que se estabeleça um equilíbrio na vida social, política,
econômica e moral e o povo é levado novamente à guerra como solução
desesperada.Com o passar do tempo os povos que passaram por guerra, desenvolvem
uma espécie de imunidade contra ela. A febre cessa, os sintomas desaparecem e
começa um período de convalescença. Este processo, porém, não produz uma
imunidade permanente. As gerações subseqüentes começam a esquecer o drama
terrível dos dias de terror, enquanto os estigmas de ódio e vingança permanecem
nos corações e nas mentes. A paz assim estabelecida torna-se insidiosamente
vulnerável. Esses fatores junto com os já mencionados, tornarão os homens
predispostos para mais uma outra guerra. Assim, os povos envolvidos nesse
processo e a humanidade em geral, pagam um preço muito caro por uma
imunidade um tanto artificial e que não resiste à ação do tempo. Essa paz não
pode ser considerada como verdadeira.Será que se pode aceitar como paz a calma transitória e a aparente
aversão à violência registrada em tratados de passividade e/ou de dissuasão
defensiva? Pode uma relativa tranqüilidade que se segue após uma conquista
bélica, acompanhada das condições impostas pelo vencedor, ser considerada
como paz? A desistência de ação militar, porque o adversário em potencial possui
excessivo armamento ou um novo tipo de arma, pode ser uma paz? A assim
chamada paz armada, junto com suas seqüelas, a guerra fria; os arsenais
abarrotados e a permanente angústia do povo, poderá ser aceita como paz?
"Uma nova enfermidade", escreveu Montesquieu, "espalhou-se sobre a
Europa: ela contagiou os nossos princípios e os induziu a manter um injustificável
número de tropas. Logo que um estado aumenta o número de homens em suas
casernas, o outro se apressa em fazer o mesmo com o resultado de que nada se
ganhou, a não ser ruína comum. Cada monarca mantém tantos exércitos em
permanente estado de alerta, como se o seu povo estivesse em guerra e essa
situação de rivalidade de todos contra todos é então apelidada de paz." Essa
assim chamada "paz", é sempre acompanhada do medo e do ódio na parte mais
fraca, e do orgulho e da vaidade na parte dominadora e mais forte. Certamente
este relacionamento conduzirá a revoltas armadas contra o conquistador. A
história está cheia de exemplos.No cenário das relações internacionais poderemos identificar estados-
nações que durante décadas ou até séculos, sofreram distúrbios em suas relações
e guerras e agora, sem que haja algum interesse político ou econômico,
sentimentos negativos e ódio se tornaram parte de suas tradições e de sua
cultura.A paz numa perspectiva social, isto é, a vigência de relações pacíficas entre
vários participantes, pressupõe oportunidades iguais, para que todos possam
desfrutar das condições pacíficas estabelecidas. Não sendo assim, não haverá
justiça e a conseqüência imediata será a frustração e o ódio ao usurpador que
conduz a agressão (J. Dollard, 1930) (16). A injustiça, portanto, não é apenas a
causa e o instrumento que engendra a guerra, mas também a sua conseqüência.
A injustiça é o começo e o fim de toda agressão.Já se havia dito neste tratado que é preciso acreditar na paz para ela poder
existir. Quem pode acreditar em alguma coisa que lhe foi imposta? É preciso
ponderar e julgar alguma coisa para poder assimilá-la como verdade.
O julgamento neste caso deve estar respaldado pela fé para poder se
enraizar no âmago afetivo da personalidade. Recorde-se que cada sociedade tem
a sua própria personalidade (O. Pickles, 1977). O julgamento é definido como "a
atitude especial da nossa mente em relação ao objetivo atual de nosso
pensamento (M. Pradines, 1956); e fé é definida como "uma atitude que
reconhece e aceita alguma coisa como sendo verdade". A crença também é
definida como "uma atitude prévia dirigida a uma proposição". Quando chegarmos
a compreender que os sistemas de nossas atitudes individuais ou sociais são
funções dos nossos impulsos motivacionais e, portanto, das nossas estruturas
afetivas, podemos concluir .que o julgamento não se origina apenas no plano
cognitivo e lógico da nossa consciência, mas no núcleo afetivo da personalidade,
tanto individual, como social.Para poder julgar se as relações entre nações-estados se estribam sobre a
injustiça e até que ponto a injustiça foi a causadora da guerra, será preciso
combinar a função complexa de julgamento, que envolve todos os elementos que
formam a estrutura da personalidade. É essencial que no estabelecimento da paz,
todas as partes envolvidas considerem os pontos registrados no acordo como
sendo justos. Esta é uma condição necessária, mas ainda não suficiente. As
condições do acordo deverão ser submetidas a um juiz supremo e imparcial e
cujas sentenças serão decisivas e universais. A justiça é um conceito universal, e
ao mesmo tempo, um princípio universal, e ela é pré-requisito e conseqüência da
paz. A justiça é nada mais que o resultado de um julgamento pacífico e a paz será
o resultado natural de um julgamento justo. Assim a justiça e a paz provém de um
julgamento, cuja integridade está em relação direta com as pessoas e a
sociedade.O propósito dos direitos, escreve O. Pickles, é o de capacitar os homens a
viver, desfrutar a vida e a desenvolver ao máximo as potencial idades dos
indivíduos. Os direitos, portanto, são os meios para atingir um fim: a liberdade (O.
Pickles, 1977) (17).A liberdade é um processo intrínseco, individual, moral e psicológico e,
igualmente, é extrínseco e social.Liberdade não pressupõe a liberdade de ação, mas a liberdade moral que é
a capacidade de controlar os próprios desejos ilógicos e ilegítimos. O âmbito da
nossa liberdade é tão extenso como o dos nossos direitos e, os nossos direitos
estão intimamente relacionados com os nossos deveres. O sistema dos direitos é
o sistema das liberdades harmonizadas (Hobhouse, 1921). A vigência da paz em
todos os seus aspectos representa um equilíbrio no sistema de direitos-deveres e
que depende das liberdades harmonizadas. Sempre que se deflagra uma guerra,
há ou houve uma desarmonia no sistema de direitos-deveres e há ou houve uma
falta de entendimento da liberdade.A justiça, tanto na sua atuação individual como na social, é a garantia do
sistema de direitos-deveres e, tal como foi dito acima, a liberdade é a
conseqüência desse sistema harmonizado. Justiça é sinônimo de eqüidade e é
dela que deriva o princípio do equilíbrio e da harmonia entre o dever que no seu
sentido restrito pertence ao âmbito dos afetos, e o direito que é do domínio
autoprotetivo. Essa harmonia é a que favorece a compreensão entre os
componentes e cuja conseqüência é a liberdade.A paz funda-se sobre a soma de todas essas condições.
Especialistas, J. Líder, 1983 (10); G. Bouthoul, 1979 (11) e outros,
estudaram as diferentes variáveis que intervém na função da guerra. Eles algumas
vezes denominaram essas variáveis de dimensões da guerra.
Teorias biológicas inspiradas principalmente no darwinismo consideram a
guerra como um comportamento inato no homem (D. G. Mac Rae, 1961 (20); R.
Flecher, 1957 (21); L. Bramson & G. W. Goethals, 1964 (22)).
Sob esse ponto de vista, alguns autores foram adiante e formularam uma
teoria chamada etologismo, que encara o homem como um animal. Algumas
designações, como "O homem, um animal social", "O homem, um animal político"
e outros semelhantes, demonstram essa estranha tendência. No arcabouço
dessas teorias, a agressão e a guerra, são consideradas como impulsos inatos ou
até como traços evoluídos de caracteres (Corming & Corming, 1971) (23).
Alguns psicólogos (A. Bandura, 1973 (24); S. Feshbach, 1970 (25)),
propõem que a agressão e a guerra são comportamentos aprendidos e são
essencialmente baseados sobre frustração (J. Dollard, 1959) (16).
Alguns antropologistas presumem que a guerra é um produto de cultura.
Margareth Mead (1971) (26), acredita que a guerra é uma invenção e, portanto, é
a conseqüência do processo de desenvolvimento.Uma teoria ecológica supõe que a guerra é uma manifestação da luta por
um melhor ambiente de vida (J. Lider, 1983) (19).A Teoria política é baseada sobre elementos de várias naturezas. O
conceito de política se submeteu a uma inovação desde os tempos de Platão (1)
(Ed. 1974). Sejam quais forem os fatores de várias naturezas invocadas para fins
políticos, não se cogita de alguma teoria predominante.
Teoria econômica. Nem todos teóricos desta área concordam com a idéia
de que questões econômicas possam servir como motivo para a guerra. N. Angell
(1970) (27), crê que nesta idade industrial a guerra não é lucrativa e, portanto,
deveria ser banida.Poderão todos estes fatores biológicos, sociais, antropológicos, políticos e
econômicos ser considerados legítimos para a deflagração de uma guerra? Se
admitirmos que a mera existência de um instinto agressivo é suficiente motivo
para uma agressão tão violenta, como é a guerra, deveríamos honestamente
constatar que existem vários outros instintos, cada um relacionado com algum tipo
de' comportamento. Dentro de uma sociedade como a nossa, como é que se
poderia aceitar como lógico e legítimo um comportamento como este que
evidentemente, se afasta de todo controle individual? Longos capítulos nos livros,
textos da psicopatologia e psiquiatria são dedicados aos comportamentos e às
pessoas anti-sociais. Não há dúvida, que o homem tem uma série de impulsos,
cada um dedicado a alguma finalidade individual ou social, mas este mesmo
homem tem as faculdades da consciência, da razão, da fé e todas de natureza
afetiva-cognitiva, para poder estabelecer ordem em sua vida individual e social.
Esta ordem, em todos os seus aspectos, é sinônimo de normalidade.
No que diz respeito aos fatores políticos, econômicos, geográficos e
ecológicos que são considerados essenciais ao problema da paz-guerra, poderia
se dizer que, sejam quais forem suas importâncias especiais, eles não participam
da infraestrutura da paz.A capacidade moral do homem é tão elevada, que ele é capaz de dar a sua
vida pela sua fé, pelo seu vizinho e até por alguém que nunca tenha encontrado. A
história das religiões testemunham inúmeros exemplos.
A paz é um estado-condição universal, cujo advento social e
estabelecimento deriva da integração das capacidades morais do homem num
processo complexo. Ela reúne elementos básicos como justiça, deveres, direitos e
liberdade sem descuidar de outros fatores, embora de menos importância.
Quando tratamos de conceitos como: amor versus ódio, justiça versus
injustiça, liberdade versus repressão, responsabilidade versus irresponsabilidade,
racional idade versus irresponsabilidade, cooperação versus competição, lealdade
versus desobediência, piedade versus crueldade, teremos tratado das dimensões
básicas da paz versus guerra, respectivamente.A força espiritual através da fé, dá vida aos fatores morais e provê a
necessária energia a eles para poder enfrentar os maus desejos internos e os
maus estímulos externos.Um estudo retrospectivo dos esforços humanos para se preparar para a
guerra, e estatísticas que tratam de vidas sacrificadas, da energia e fortunas
desperdiçadas e das devastações causadas, podem bem demonstrar até que
ponto alguns antropólogos (R. Andrey, 1966; R. Clark, 1971) (2F.), têm razão para
considerar a guerra como um fator para o desenvolvimento cultura, ou como
Ruskin presume (citado por J. Líder, 1983) a guerra como um elemento de
perfeição humana.Uma comparação numérica de homens em serviço militar durante um
século inteiro, de 1101 a 1200 d.C., e o número de mortes durante aquele século
com o período de 1901 a 1925, apenas um quarto de século, na mesma área de
nove países europeus, mostra seus desenvolvimentos militares e o aumento de
seu poder de destruição. No século que vai do ano de 1101 a 1200, o total das
forças armadas era de 1.161.000 e, durante o século morreram nas guerras,
29.000 pessoas. De 1901 a 1925, o total de soldados foi de 60.425.000 e os
mortos durante as guerras no mesmo tempo, 20.035.105 (E. Krippendroff) (29).
Tanto estes números, como os que seguem, chocantes como são, vão nos
capacitar a constatar até que ponto a idéia de julgar a guerra como algo
necessário para o desenvolvimento do homem, é falsa.
Em 1973, o total dos gastos com armamentos e forças armadas no mundo
era 244 bilhões de dólares. Isto significa que as nações do mundo todo, ricas e
pobres, estavam gastando 30.000.000 de dólares por hora. No mesmo ano, o
mesmo mundo gastou com ajuda oficial ao desenvolvimento, 10 bilhões. A soma
gasta através do sistema da ONU para a paz e desenvolvimento econômico e civil
foi, em 1973, 1.5 bilhão. Também é interessante registrar, que já em 1974 havia
no mundo, um arsenal nuclear equivalente a mais de um milhão de bombas iguais
à que foi lançada sobre Hiroshima. Isto representa uma capacidade de matar 12
vezes a população de todo planeta (Inga Thorsson, 1977) (30).
Desta revisão de conceitos e de análises de fatos sobre o problema
"guerra-paz", podemos concluir que:"A paz é um estado e condição normais, universais, relacionados com o
âmago afetivo da personalidade dos indivíduos membros da sociedade, em forma
de necessidade básica de equilíbrio e moderação, e que requer o estabelecimento
de uma estrutura relacionada com o impulso natural de amar a ser amado, do
desenvolvimento de sentimentos morais de justiça, liberdade, direitos e
responsabilidades, cooperação, ajuda mútua, lealdade e obediência à ordem. A
paz é mantida e inteiramente conscientizada pelo poder da fé. Esta se manifesta
na vida conativa através do estabelecimento de uma base sólida para ação e
interação humanas."A nossa intenção de associar o processo da paz com o da religião pode
parecer um esforço inconseqüente para alguns dos nossos leitores. Pode parecer
evidente que a religião durante muitos séculos e ainda nos dias atuais, causou
guerras desastrosas e a perda de vida de milhões de seres humanos, deixando no
seu rastro, ódios crônicos. Alguns estudiosos chegaram a formular teorias,
segundo as quais a religião é considerada como fator etiológico da guerra. (W.
James-1926).Entretanto, o tempo passa e as coisas mudam. Transformação é princípio
dinâmico da vida que se manifesta nos seus dois principais aspectos: meta-
fenomenal e fenomenal.Assim como a humanidade está sujeita a um processo de desenvolvimento
orgânico, ela também se aproxima de um amadurecimento espiritual assegurado
pela revelação progressiva do Verbo Divino, sem o qual ela iria cair em
decadência moral. Em uma das suas epístolas reveladas em Adrianópolis,
Bahá'u'lláh testifica:"Sabe tu em verdade, que o véu que oculta Minha face ainda não se ergueu
de todo. Nós revelamos o Nosso Próprio Ser a um nível que corresponde à
capacidade dos seres humanos da nossa época". (31)
E Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, dá a seguinte explicação:
"O princípio fundamental enunciado por Bahá'u'lláh, crêem com total
firmeza os seguidores de Sua Fé, é o de que a verdade religiosa não é absoluta,
mas relativa e que a revelação divina é um processo contínuo e progressivo". (32)
Podemos entender, portanto, porque e como durante as antigas
dispensações, a guerra religiosa foi prescrita pelos sacerdotes (dispensação
judaica e cristã) e pelos próprios profetas (dispensação islâmica).
Na dispensação de Bahá'u'lláh, porém, a guerra é proscrita. Em razão da
madureza social, o homem chegou a um nível no qual ele é capaz de
compreender que a solução dos seus problemas só é possível pelo mútuo
entendimento e pelo diálogo pacífico."A primeira 80a Nova", proclama Bahá'u'lláh, "que o livro matriz, em sua
revelação máxima legou à todos os povos do mundo, é a de que a lei da guerra
santa foi barrada do livro"."Ó povos, associai-vos aos seguidores de todas as religiões em espírito de
gentileza e companheirismo..." (33) "O propósito deste injustiçado", afirma
Bahá'u'lláh no Seu Livro do Convênio, "ao suportar dores e atribulações, ao
revelar os Versos Sagrados e ao demonstrar provas não é outro, senão extinguir a
chama do ódio e da inimizade, para que o horizonte dos corações dos homens,
possa ser iluminado com a luz da concórdia e assim atingir a verdadeira paz e
tranqüilidade".(34)O princípio da revelação progressiva, explicado por Bahá'u'lláh, refere-se a
todos os aspectos da religião, desde o mais simples ao mais complexo, desde o
mais prático até os de mais elevados conceitos."Pois Bahá'u'lláh - deveremos reconhecer prontamente -" escreve Shoghi
Effendi, o Guardião da Fé Bahá'l, "não enunciou meramente certos princípios
universais, nem propôs alguma filosofia particular, seja qual for a sua potência,
justeza ou universalidade. Em adição a isto, Ele, como também 'Abdu'l-Bahá
depois dEle, diferente das dispensações do passado, formulou clara e
especificamente um conjunto de leis, estabeleceu instituições definitivas e proveu
para o essencial de uma Economia Divina. Isto é destinado a ser o padrão da
sociedade futura, um instrumento supremo para o estabelecimento da Paz
Máxima e o poder que unificará o mundo e proclamará o reino da retidão e da
justIça sobre aterra." (35)A definição do conceito de religião, seus princípios espirituais, suas bases
de organização, suas lei: sociais e individuais, tudo revela uma evolução
progressiva, quando comparado com as dispensações do passado.
"Assim a evolução orgânica da humanidade foi lenta e gradativa", escreve o
Guardião da Fé Bahá'í: "envolvendo sucessivamente a unificação de família, tribo,
cidade-estado e nação, também tem sido lenta e progressiva a luz emitida pela
Revelação de Deus em várias etapas na evolução da religião e refletida nas
sucessivas dispensações do passado. De fato, a medida da Revelação em cada
época é proporcional e adaptável ao grau de progresso social atingido nessa
época por uma humanidade que evolui constantemente. " (36)
Como é que a Fé Bahá'í consegue promulgar a paz e evitar a guerra? Esta
pergunta requer uma olhada de relance, apenas para ter uma idéia, sobre alguns
dos seus princípios:O conceito de religião de uma maneira geral passou pela mesma evolução
progressiva que a dos princípios sociais e espirituais. Definida no passado como a
soma de preceitos sociais, espirituais e morais, o conceito de "Religião" de acordo
com a Fé Bahá'í engloba todos os aspectos essenciais e existenciais do universo.
Com a Fé Bahá'í a humanidade começou uma nova era. Esta revelação não é
somente uma maneira diferente de encarar o mundo, mas chega a ser uma
transformação do mundo que requer de n6s, que transformemos a nossa
perspectiva. A força da Providência desencadeada por esta revelação,
potencialmente estabeleceu uma nova ordem em forma oculta, e Bahá'u'lláh
revelou os princípios vigorantes nessa ordem e descortinou diante de nossos
olhos uma vasta perspectiva e os meios que conduzem à meta final: A Unidade da
Humanidade."Religião", define 'Abdu'l-Bahá, "é a soma das relações necessárias que
emergem da verdade das coisas". (37) Um momento de reflexão e meditação
sobre os significados profundos, vastos e abrangentes encontrados nesta
definição capacita a todo pesquisador adquirir uma imagem clara da Fé Bahá'í.
Qualquer assunto que se refira à criação, seja qual for a sua natureza, essencial
ou existencial, espiritual ou material, social ou individual, potencial ou atual, pode
ser analisado com os dados usados nesta definição. Ela se refere às "relações" e
por isto ela revela a dinâmica das coisas. A palavra "necessárias" indica a
natureza inerente destas relações. O termo "verdade" significa que a origem
destas relações não é somente existencial. E finalmente a palavra "soma" se
refere a integridade e universalidade destas relações. A Fé Bahá'í ensina uma·
filosofia universal e inspira o homem com novos métodos de chegar à realidade
das coisas. Nela, religião e ciência estão reconciliados. A Fé Bahá'í apresenta
novos conceitos de vida para um mundo unificado e propõe fórmulas práticas e
métodos que seguramente, estabelecerão a unidade mundial. A aplicação dos
seus princípios removerá as atuais barreiras que ainda dividem os povos.
O CONCEITO DA UNIDADEO conceito da unidade é o eixo em torno do qual giram todos os outros
princípios revelados por Bahá'u'lláh e a unidade de Deus forma o fulcro central
deste eixo.Shoghi Effendi, referindo-se ao princípio da unidade de Deus e de Seus
Manifestantes, escreve:"Exalta-se a transcendente majestade e unicidade de um Deus inatingível e
que permanece muito além da nossa capacidade de entendimento e se proclama
e enfatiza a unidade dos Seus mensageiros." (38)A unicidade de Deus torna evidente a unidade de Suas mensagens e a
unidade de Seus mensageiros e, neste sentido Bahá'u'lláh testemunha:
"Eles todos residem no mesmo tabernáculo, estão elevados nos mesmos
céus, sentam-se no mesmo trono, manifestam o mesmo Verbo e proclamam a
mesma Fé. " (39)Ao mesmo tempo, porém, Ele repudia a pretensão de qualquer religião de
ser a revelação final e, inclusive a Sua própria, não deve ser considerada a última.
"Ao repudiar a pretensão de qualquer religião", escreve Shoghi Effendi "de
ser a revelação final de Deus e ao declarar que Sua própria revelação não é a
final, Bahá'u'lláh destaca o princípio básico da relatividade da verdade religiosa, a
continuação de Revelação Divina e a progressividade da experiência religiosa."
(40)Outro princípio sobre o qual se assentam os alicerces da unidade de
consciência."De momento a Paz Universal é assunto de elevada importância", escreve
'Abdu'l-Bahá na sua mensagem à Organização Central para uma Paz Duradoura',
"mas a unidade de consciência é essencial aos seus fundamentos para que se
possa construir um edifício firme e sólido". (41)A unidade de consciência requer que se integre um sistema de valores
morais na mente humana."Em toda dispensação", escreve 'Abdu'l-Bahá, "a luz da Guia Divina se
focaliza, sobre algum tema central... Nesta revelação maravilhosa, neste glorioso
século, o fundamento da Fé em Deus e a característica especial de Sua Lei são a
consciência da unidade da humanidade". (42)O mistério da unidade consiste num sistema de normas morais comuns a
todos destinado a avaliar os atos dos homens, um sistema que se fundamenta no
âmago da mente de cada pessoa, capacitando-a a avaliar seus próprios atos
dentro dos mesmos padrões pelos quais avalia os dos outros. A Fé Bahá'í confere
uma base sólida a este sistema de valores morais comuns a todos: o amor
universal. Não há fronteiras para o amor. O princípio da abolição de todos os
preconceitos - racial, nacional, religioso, político, etc. - remove as barreiras entre
os homens:"Ó povos do mundo", Bahá'u'lláh proclama em Sua mensagem à
humanidade, "o estandarte da unidade se ergueu; não considereis uns aos outros
como estranhos. Sois os frutos de uma só árvore e folhas do mesmo ramo. O
mundo é um só país e a humanidade seus cidadãos... Não se glorifique o homem,
porque ama o seu país, mas glorifiquem-no, porque ama sua espécie". (43)
A unidade das consciências faz confluir todos os pontos de vista diferentes
e gera assim a estrutura de um mundo unido. Todo sentimento e julgamento
moral, seja qual for o alcance da sua influência ou aplicação - entre indivíduos,
grupos ou nações - procede da consciência, cuja unidade é em si a forma
potencial da unidade mundial. Um genuíno sentimento de justiça assim enraizado
nos corações de todos os habitantes do mundo é a garantia de paz e concórdia
entre eles.A unidade de consciência é promovida pelo princípio da unidade de língua,
tal como foi ordenado por Bahá'u'lláh. A unidade de língua dá à humanidade um
importante instrumento cultural e lógico que permitirá a todos os povos e etnias a
manifestação direta dos seus próprios sentimentos e pensamentos. O alcance das
positivas conseqüências produzidas pela unidade de línguas nas áreas sociais,
científicas e econômicas é uma questão cuja resposta está além do escopo do
presente estudo. Deste princípio que dará expressão à unidade de consciência,
emergem mais outros princípios: a unidade do pensamento, a unidade da vida
política e a unidade na conceituação da liberdade.
O princípio da unidade de língua, tal como qualquer outro princípio da Fé
Bahá'í, é multivalente. A vida dentro de uma perspectiva psico-bio-cibernética,
pode ser definida como uma soma enorme de informações processadas entre
todos os elementos que constituem o universo, seja mineral, vegetal, animal ou
humano. Aquela montanha com o seu silêncio majestoso, aquele riacho
murmurante, o rio 'com seu movimento arrastado, as folhas que caem no outono e
aqueles brotos que surgem na primavera, o rouxinol que canta, a corça que
brama, o sorriso de uma criança, aqueles olhos ansiosos cheios de lágrimas
daquele órfão, todos falam e todos são entendidos. Existe uma linguagem inata
não verbal no universo. Ela desafia o homem, dotado de expressão verbal, a
traduzi-la. Se a natureza da mensagem é emocional ou racional ela será
respectivamente poética ou científica. No mundo da existência, o homem é o
centro de processamento de informações. Ele recebe todas as mensagens do
passado e da atualidade e transmite-as por meio de sua capacidade verbal ao
mundo presente e futuro. Esta transmissão de mensagem será executada com
finalidade, se todas estas informações forem expressas no mesmo idioma. É
notório como os significados são alterados, ainda que sejam tratados pelos"mais
habilidosos interpretes. A essência, o espírito de uma língua nunca poderá ser
traduzido com exatidão total, porque durante milhares de anos cada uma delas foi
influenciada por fatores sociais, culturais e técnicos. Por causa disto o homem
teve que suportar inúmeros sofrimentos, Ele foi castigado. No princípio, todos os
homens falavam a mesma língua. Diz a Bíblia em Gen. 11-1: "E era toda terra
duma mesma língua e duma mesma fala!"E então Deus castigou o homem, segundo Gen. 11-7: "E ia, desçamos e
confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim
o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda terra; e cessaram de edificar a
cidade".Agora o tempo chegou para o homem remover as barreiras que impedem a
solução dos seus problemas sociais, emocionais, econômicos e científicos.
Os princípios de unidade de pensamento, de unidade da vida política e de
unidade na conceituação da liberdade são muito relacionados. Não estaremos
unidos em liberdade, se não tivermos a mesma maneira de entender a liberdade.
Isto não será possível a não ser que usemos o mesmo sistema de valores na
construção da nossa idéia de liberdade. O princípio da independente investigação
da verdade ensinado por Bahá'u'lláh contém a essência da liberdade e a
independência a que cada pessoa deve ter direito: a liberdade para pesquisar a
verdade. Como a verdade, porém, só pode ser uma, a nossa pesquisa só pode
aproximar a nós todos, servindo como instrumento de unificação.
DIREITOS IGUAIS PARA HOMEM E MULHERO princípio da igualdade de direitos do homem e da mulher, acompanhado
da reciprocidade de deveres e obrigações, proclamado por Bahá'u'lláh, pós um fim
a uma dominação injusta e a uma frustração de longa data. A justiça assim
estabelecida trará paz para todos os níveis da sociedade, desde a sua unidade
estrutural mais importante – a família – até a organização humana mais complexa,
na qual a responsabilidade pode ser assumida por um homem, como uma mulher.
Todos estes princípios podem ser analisados dentro do conceito de religião
como foi definido por 'Abdu'l-Bahá. A religião assim definida deveria ser baseada
sobre fé, conhecimento e ação:"O primeiro dever prescrito por Deus para Seus servos", proclama
Bahá'u'lláh, "é o reconhecimento dAquele que é a alvorada de Sua revelação e a
fonte de Suas leis... Todo Aquele que cumpre este dever, alcançou a todo bem...
Compete a todo aquele que chegou a este mais sublime grau... de obedecer a
todo mandamento dAquele que é o Desejo do Mundo. Estes deveres gêmeos são
inseparáveis". (54)Bahá'u'lláh também decretou que a religião deve estar de acordo com a
ciência e a razão:"Não há contradição entre a verdadeira religião e a ciência", declara 'Abdu'l-
Bahá. "Quando alguma religião se opõe à ciência, ela não passa de mera
superstição: o que é contrário ao conhecimento e ignorância".
"Façam com que todas suas crenças estejam em harmonia com a ciência,
explica 'Abdu'l-Bahá em outra ocasião, "não pode haver oposição, porque a
verdade é uma só. Quando a religião estiver libertada de suas superstições
tradicionais e dogmas incompreensíveis e se demonstrar em conformidade com a
ciência, então se formará no mundo uma grande força que varrerá todas as
guerras, desacordos e lutas e a humanidade será unida dentro do poder do amor
de Deus". (45)Passaram-se séculos e os religiosos consideraram os cientistas como seus
rivais. A atitude dos cientistas frente à religião também não foi melhor. Esta
discórdia é apenas o resultado do desenvolvimento rápido da ciência, enquanto os
religiosos insistiram sempre em manter sua posição original de recusa ao princípio
de revelação progressiva, causando o aprofundamento de um abismo cada vez
maior entre a religião e a ciência.Sob a influência do princípio do acordo entre a religião, a ciência e a razão,
a disputa entre o dogmatismo e o pragmatismo, o empirismo e o racionalismo, o
essencialismo e o existencialismo, vai cessar e gradualmente desaparecer e todos
estes "ismos" cujos frutos não têm sido senão "cismos" contribuirão para a
compreensão de um "truísmo" - a unidade mundial. Assim a religião estará
protegida contra a superstição e o cientista receberá a necessária espiritual idade
que o capacitará a levantar-se ao firmamento da criatividade para além da barreira
da matéria, o que é especialmente necessário para os cientistas.
"Para uma teoria ter algum valor", disse Einstein, "não será preciso que
surja de uma cuidadosa coleção e pesquisa de observações individuais. Ela deve
emergir, isto sim, de uma repentina inspiração imaginativa, semelhante a de um
poeta ou de um compositor". (46)O princípio da paz universal, como foi formulado por Bahá'u'lláh pode ser
concebido e analisado pelos elementos fundamentais usados na definição de
religião, tal como é ensinada na Fé Bahá'í.A paz, pela sua estrutura e pela sua função, é de uma categoria relacional,
essencialmente do tipo causal. Esta causalidade envolve a contribuição de vários
fatores no estabelecimento e na manutenção da paz.
A paz é um processo multidimensional. Estes relacionamentos, no seu
desenvolvimento, se originam nestas dimensões e na atitude das partes
envolvidas. Isto indica a importância dos motivos, dos sistemas afetivos da
sociedade, das condições e dos componentes das operações e finalmente dos
métodos de ação que se adotou.Estes relacionamentos são necessários, porque sua existência requer a
continuidade, o desenvolvimento e o funcionamento normal dos sistemas sociais e
sua ausência resultará em revolta, guerra e destruição.
AMOR COMO FATOR DA PAZEstes relacionamentos não podem ser mantidos por aquilo que,
normalmente é chamado de "pactos diplomáticos". Nenhum pacto pode ser
mantido sem ser acompanhado de um crédito afetivo, com amor e uma delibe-·
ração madura baseada em justiça e um plano de ação baseado sobre
equanimidade. Amor e simpatia são condições essenciais que fazem surgir e
sustentar estes relacionamentos. Simpatia é a base do altruísmo. (M. Scheler,
1971 (47), L. Wispe, 1978 (48))."Os relacionamentos necessários que surgem da verdade das coisas",
disse 'Abdu'l-Bahá, "são atração, simpatia e amor". (49)
E a religião sendo a soma destes relacionamentos, podemos deduzir daí
que a religião é atração, simpatia e amor."Se o amor não existisse, não existiria criação".(50)
Podemos afirmar, portanto, que o amor é o primum movens de todo o
universo. Paz significa o equilíbrio entre a força e o movimento. Guerra é a crise
de força e movimento. Quando o amor como processo universal perder sua
qualidade de universalidade e assumir uma forma particular, quando, por exemplo,
se acumular em algum lugar e estiver ausente em outro, teremos o que se chama
amor cativo ou possessivo. Este é egocêntrico e a causa de injustiças. Haverá
uma crise de amor, uma crise de força universal, haverá guerra.
"Tudo que tiver um objetivo universal, é divino", disse 'Abdu'l-Bahá, "e tudo
que tem um objetivo particular, é mundano".Um verdadeiro amor, um amor afetivo no sentido amplo é universal, e o
"primum movens" da criação. Sua primeira condição é equilíbrio, é paz. Tal força
promove os bons motivos. E um bom motivo é o elemento essencial e uma
condição necessária para um verdadeiro pacto de paz. Pactos feitos sobre uma
base de motivos ocultos e segundas intenções egoístas não podem assegurar
paz. As partes estarão mais preocupadas com os seus próprios objetivos ocultos e
com os objetivos escondidos do outro lado, do que a causa da paz.
"Com que serenidade, mas também com que vigor", escreve Shoghi
Effendi, "ele ('Abdu'l-Bahá) destacou a cruel decepção com algum pacto,
aclamado por povos e nações como sendo a conquista de uma justiça triunfante e
como um instrumento infalível de uma paz duradoura celebrado por uma
humanidade impenitente. Paz, paz, os lábios dos potentados e do povo em geral
incessantemente proclamam, enquanto continua, ardendo nos corações, as
brasas de ódio cujo fogo não se apagou. (52)Quantas vezes nós ouvimo-Lo levantar Sua Voz", escreve Shoghi Effendi
em outra passagem, "enquanto o tumulto do entusiasmo triunfante ainda estava
em plena altura e muito antes de surgir o menor traço de apreensão, pudesse ser
sentido ou manifestado, à confiança no pacto o exaltava como o documento final
de uma humanidade liberada. Ele continha, entretanto, em si próprio a semente de
uma decepção tão amarga por constatar que o mundo continuaria escravizado".
(53)"A paz promulgada pela Fé Bahá'í exige a pureza do amor. Os que são
pessimistas em face da natureza e da conduta do homem possivelmente irão
considerar esta prescrição como ingênua, simplista ou utópica. Aqueles que
pensam que é uma fórmula simplista deveriam estar atentos ao fato de a paz se
referir essencialmente ao ser humano e, este tem como uma das suas
necessidades mais fundamentais, a sua segurança (A. Maslow, 1943). O homem
pode estar correndo por muitos quilômetros sem se preocupar com fome ou sede -
as duas necessidades fisiológicas básicas apenas para procurar um lugar, onde
possa encontrar segurança. A segurança é a conseqüência imediata da paz. Esta
paz é baseada também sobre outra necessidade fundamental: a necessidade de
amar e de ser amado. Paz e segurança provém das mesmas forças ambivalentes:
amar e ser amado. O homem é por sua natureza um ser que ao mesmo tempo é
egoísta. e altruísta. Seu potencial altruístico não foi, porém, suficientemente
desenvolvido e explorado. Infelizmente as condições sociais da vida tiveram
efeitos inibitórios sobre os sentimentos de simpatia e de altruísmo. Novas
condições de aprendizagens sociais e novos métodos formais de educação são
necessários para extinguir a desconfiança, o ódio e agressão e lhe dar uma. nova
atitude em relação à vida. Estas novas condições vão contribuir para desenvolver
suas características positivas que em grande parte ainda estão latentes. Sobre as
potencialidades do homem escreve Bahá'u'lláh:"Como são esplendorosos os luminares de conhecimento que brilham
dentro de um átomo e como são vastos os cosmos da sabedoria que emergem de
uma gota de água. A um grau supremo esta verdade se aplica ao homem, que
entre todas as coisas criadas, foi investido com o manto de tais dádivas e foi
escolhido para a glória de tal distinção. Pois nele são revelados potencialmente
todos os atributos e nomes de Deus a um nível tão elevado, que não é
ultrapassado por nenhuma outra criatura. (54)A respeito da questão da manifestação na realidade desses poderes em
potencial, o que tem sido motivo de preocupação de cientistas e de tantos
trabalhos de pesquisa (K. Goldstein, 1940 (91), A. H. Maslow, 1972 (92)),
Bahá'u'lláh declara:"Sublime é a condição do homem, quando se apega à retidão e à verdade e
permanece firme e constante na causa." (55)Para estar apegado a retidão e à verdade o homem precisa ser justo
consigo mesmo e também com as outras pessoas. A justiça é sinônima com o
equilíbrio na força dicotômica do amor: a necessidade de amar e ser amado. A
justiça é o processo pelo qual as forças potenciais da moral humana se traduzem
em atos reais. A este respeito Bahá'u'lláh proclama:
"A essência de tudo que temos revelado para ti é a justiça, pois compete ao
homem libertar-se de vãs fantasias e imitações, discernir a Sua gloriosa obra com
o olho da unidade e perscrutar todas as coisas com atenta investigação. " (56) ... e
ainda:"Observai a imparcialidade no vosso julgamento, ó vos homens de coração
compreensivo! Quem for injusto no seu julgamento está privado das qualidades
que distinguem. a condição do homem." (57)E possível que algumas pessoas achem que o princípio da paz universal
enviado por Bahá'u'lláh seja utópico. Para essas pessoas aconselhamos olhar
para as duas guerras mundiais do século XX e suas trágicas conseqüências: Na
primeira guerra foram sacrificados 8.700.000 pessoas e, na segunda guerra
40.000.000 perderam suas vidas. Um homicídio maciço como este, não terá sido
utópico? No entanto ele aconteceu. Nos dias atuais esta retrospectiva não tem
nada de utópico. É uma realidade histórica e até há pessoas que consideram
justificável matar diariamente mais de 20.000 pessoas - com grande. percentagem
de não-militares - durante todos os cinco anos da última guerra mundial. E numa
previsão de um futuro ameaçadoramente próximo, ninguém poderá considerar
uma utopia a possibilidade de uma guerra nuclear que em poucos dias ou mesmo
em horas pode devastar todo planeta.Chega a ser surpreendente como e porque o desarmamento e medidas
concretas para o estabelecimento de uma paz em bases sólidas e permanentes,
possam parecer utópicas. A razão para isto não é outra senão uma desconfiança,
profundamente arraigada, que provém da falta de fé e do desespero em face do
destino da humanidade na mente dos homens. "E mais seguro temer-te do que
amar-te", disse Macchiavelli. Fechou-se um círculo vicioso entre essa maneira de
pensar e a guerra; ambas são devastadoras, uma no íntimo do homem e a outra
na sua expressão externa.Como conseqüência de tal julgamento, a humanidade tem encontrado sua
segurança na desconfiança. "Se queres a paz, prepara-te para a guerra",
costumava-se dizer, e esta opinião foi o ponto de partida de uma longa história de
acontecimentos dramáticos e trágicos. As nações reservam exagerados
orçamentos para fins bélicos e milhões de jovens que constituem a parte mais
ativa do povo são mantidos no serviço militar. Sustentam enormes quantidades
em armamentos e investem a maior parte dos seus recursos científicos para
prover materiais de guerra. De acordo com um relatório de 1972 da ONU, um total
de 50 milhões de pessoas de todo mundo são empregados em propósitos
militares. Quase meio milhão de cientistas aproximadamente a metade da
capacidade científica do mundo dedicam seus talentos e conhecimentos à
pesquisa e desenvolvimento militar envolvendo um custo de 25 bilhões de dólares
em 1977 o que correspondia a 40% de todos os gastos públicos. Tudo isto não
parece utopia?Analisando etimologicamente a palavra "utopia", ela significa um país e um
sistema de vida de um lugar inexistente, de nenhum lugar. Será que é isto que
queremos dizer, quando usamos a palavra "utópico"? Não haverá nenhum lugar
neste mundo para a calma, a paz, a unidade, o amor, a cooperação, a ajuda, a
piedade, a justiça, a liberdade e para o direito e o dever? Simplesmente porque
havia e ainda prevalece neste nosso pequeno planeta a guerra, a discórdia, o
ódio, a competição, a crueldade, a injustiça, a tirania e a repressão?
Compromissos com objetivos errados levaram os homens a esta situação
desesperada. Bahá'u'lláh se dirige a estes desesperados:
"Eu desejo comunhão contigo, mas tu não depositas confiança em mim. A
espada da tua rebelião derrubou a árvore da tua esperança. A todo o momento eu
estou perto de ti, mas tu estás sempre longe de mim. Glória imperecível Eu escolhi
para ti, entretanto escolheste para ti ignomínia. Enquanto ainda houver tempo,
retoma e não perde a tua oportunidade. " (58)Foi possivelmente esta perda de esperança que levou Sir Thomas More
(1516) a introduzir no idioma, a palavra "utopia". Mas também se pode presumir
que a palavra tenha sido usada como um grito de socorro ou de frustração de uma
humanidade que sente uma imensa saudade de calma, felicidade e paz e,
procurou uma expressão adequada.Há ainda mais outra raiz etimológica para a palavra "utopia": Eu-topos -
uma terra feliz - tal como foi proposto pelo sociólogo francês J. Servier (1979) (89).
Cremos que ambas maneiras de entender a palavra não tenham apenas valor
histórico, mas traduzem um fato emocional, testemunhando uma motivação
reprimida: a de transformar este mundo para viver uma vida melhor.
"A utopia", disse Victor Hugo, "é a verdade do amanhã". Quem já não tem
mais esperanças dirá que não existe um tal "amanhã", que um tempo assim nunca
vai chegar. E com isto nos deparamos com outra palavra "Ucronia", significando
um sistema ideal, mas que nunca vai se estabelecer. Para os desesperados,
portanto, a "Plenitude do Tempo", o "Dia de Deus", e o "Reino de Deus sobre a
Terra" são exemplos típicos de ucronia e utopia. Eles choram de desespero e nós
derramamos lágrimas por eles estarem desesperados.
Através das lágrimas que cobrem nossos olhos, estamos vendo aquela
"Terra Feliz", aquela "Utopia". Ela não está mais distante do que as ruínas das
últimas duas guerras mundiais pelas quais passamos. Não será necessário
nenhum esforço especial, nenhum investimento de dinheiro, nenhuma ferramenta,
nenhuma mão de obra para chegar a essa "Terra Feliz". A única coisa que nos
falta é auto-confiança e confiança no próximo, o que equivale dizer: Fé. Em
realidade esta utopia, esta terra de lugar nenhum, está dentro de nós. Cada um de
nós tem que começar consigo mesmo e muitos vão verificar, que a mente não
reservou lugar para aquela "Terra Feliz", o Reino de Deus. "Quando se trata de
fazer algum esforço para mudar algo em nós, escreve Ruhiyyih Rabbani, 1950
(88), encontramos um número infinito de desculpas para não fazê-Io", O homem,
sendo o elemento mais atuante neste mundo, é o centro de criação de problemas,
mas também, por outro lado a maior fonte de soluções.
UMA NOVA SOCIEDADE"Dois relevantes problemas fundamentais existem no mundo atual", escreve
Ruhíyyih Rabbani, "todos os outros, como desemprego, distribuição de riquezas,
acordos comerciais e barreiras alfandegárias, guerras, potências coloniais, as
lutas entre ideologias rivais etc... etc... passam para planos secundários, quando
são comparados com o âmago de toda problemática: primeiro, o homem como
indivíduo e segundo, a humanidade como a sociedade que habita o globo
terrestre. Duas iniciativas paralelas de progresso e reforma são necessárias para
transformar este mundo em lugar maravilhoso e a outra se refere às leis que
governam e determinam a conduta das várias massas de humanidade,
agrupamentos, nações e raças." Quando se trata de estabelecer a paz mundial,
isto é, uma vida atenta ao governo da lei, não temos outra alternativa senão
recorrer à Fé para erigir uma nova ordem mundial."E em direção a esta meta", escreve Shoghi Effendi, o Guardião da Fé
Bahá'í,"- a meta de uma nova ordem mundial, divina em sua origem, abrangente
no seu alcance, imparcial por princípio, desafiante na sua execução - que uma
humanidade atormentada necessariamente deve se dirigir." (59) Foi com essas
palavras que Shoghi Effendi, convocou as comunidades Bahá'ís do ocidente para
uma nova tarefa espiritual em direção a uma compreensão da ordem mundial de
Bahá'u'lláh (1931). Se os habitantes deste mundo forem desfrutar justiça,
segurança, paz, liberdade, etc., o mundo certamente precisará de uma ordem
universal. E para que esta nova ordem mundial possa ser estabelecida, a
humanidade deverá se tornar consciente da importância e da necessidade de tal
sistema."Em cada dispensação", escreve 'Abdu'l-Bahá, "a luz da Guia Divina foi
focalizada sobre um tema central... Nesta revelação maravilhosa, neste glorioso
século, o fundamento da Fé de Deus e a característica destacada da Sua Lei, é a
consciência da unidade da humanidade. " (60)A primeira fase para o advento de tal ordem que abrangesse todo o mundo
é marcada pela instituição da Paz Menor, tal como foi previsto dentro do plano
divino.Isto significa, que a Nova Ordem Mundial que tem como um dos seus frutos
a Paz Universal, será estabelecida passo a passo dentro de um processo gradual.
Já que a humanidade não renunciou ao seu egoísmo e seus caprichos, ela está
condenada a aceitar a sua transformação por etapas. Conclamando os
governantes do mundo, Bahá'u'lláh diz:''Agora que vós recusastes a Mais Grande Paz, apegai-vos a esta, a Paz
Menor, para que talvez possais melhorar a vida vossa e dos vossos dependentes."
(61)Quando a humanidade entrar em seu período de concórdia como resultado
da Paz Menor e descobrir que o armamento é nada mais que uma ilusória medida
de segurança e, que na guerra, tanto o vitorioso como o vencido, colheram como
únicos frutos a morte, a destruição e a continuidade do ódio, então refletirá e se
tornará consciente do brilhante destino que está reservado para a raça humana
nos dias atuais. Então, com o coração saturado de fé e com a mente enriquecida
com uma clara visão da realidade, estendendo as mãos em direção ao limiar do
Criador, renunciando a quaisquer vaidades, o homem pedirá a Ele as exatas
medidas para esta obra culminante: a construção de um mundo novo.
Já são visíveis no mundo, os primeiros sinais de tal conscientização. Um
número cada vez maior de intelectuais se preocupa com o destino da
humanidade. Sem dúvida, o trabalho criativo destes pensadores receberá as
confirmações divinas.Em 1947 Albert Einstein escreveu: "0 movimento crescente em direção ao
estabelecimento de um governo supranacional constitui a grande esperança da
humanidade... Do fundo do meu coração eu creio, que somente uma lei que vigore
em todo mundo pode assegurar a formação de uma humanidade civilizada e
pacífica." (62)"O estabelecimento de uma nova ordem mundial na economia tornou-se
imperativa e evidente", relatou L. Perillier e J. J. L. Tur (1977), "se queremos evitar
que a crise que está pisoteando a maioria dos nossos povos e estados termine
num cataclismo apocalíptico." (64)"Não somente estamos diante de uma inadiável necessidade de
transformação - a própria situação está produzindo cada vez mais oportunidades
para transformações. A própria história da humanidade é um relato de um
processo contínuo de transformações de evolução em face de ameaças e perigos.
(J. Tinbergen, J. A. Dolman & J. V. Ettinger-1977) (63)
Estas citações indicam a preocupação dos pensadores com os, cada vez
maiores, problemas mundiais e com o futuro da humanidade.
UMA HUMANIDADE ENFERMASem drásticas transformações de base, as condições de vida se tornarão
perigosamente insuportáveis num mundo em que 25% da população adulta total é
analfabeta e no qual, em países em desenvolvimento, 50% das crianças não têm
oportunidade de freqüentar escolas; em que o índice de mortalidade infantil em
países pobres é 20 vezes mais elevado do que em nações que podem sustentar
adequados programas de saúde. O abismo que separa pobres e ricos torna-se
cada vez maior, quando as estatísticas nos informam, que 95% das pessoas
nascidas em regiões subdesenvolvidas não puderam ser vacinadas contra as
doenças contagiosas mais comuns, quando em muitas áreas rurais as pessoas
nunca viram um médico, quando a fome é uma situação crônica para 520 milhões
em países subdesenvolvidos e um quinto do total da população mundial vive em
permanente ameaça de morte por desnutrição e inanição. (R. Jolly-1978) (65)
No mundo atual, a morte prematura é normal em muitos países e uma
percentagem alarmante do total não tem emprego regular e milhões de pessoas
trabalham em condições insuportáveis por salários subumanos (J. Tinbergen-
1977). Em muitos países considerados prósperos, centenas de milhões de
trabalhadores vivem em condições superindustrializadas e severas,
transformando-os em autômatos biológicos e técnicos, com uma perda insidiosa
dos valores humanos e levando-os a um permanente estresse e em
conseqüência, ao abuso e à dependência de drogas; G. Serban -1984 (66), H.
Munssinger-1983 (67); M. M. Glatt & G. Mark -1983 (68). Os meios de
comunicação às massas em geral não têm outras informações senão crimes,
assassinatos, guerras, acidentes, revoltas, injustiças e violências a dar ao ser
humano exausto que acaba de voltar ao seu lar, retomando de sua dura jornada
de trabalho. Os mesmos meios também o informam que os orçamentos militarem
somam o equivalente ao valor total da produção da metade mais pobre da
humanidade (p.ex. 350 bilhões de dólares em 1976), apenas para ter a esperança
de segurança das nações, o que motivou Alva Myrdal (1976) a declarar: "O que
transforma a corrida armamentista em insensatez global é o fato que todos os
países estão comprando agora, uma insegurança cada vez maior a um preço cada
vez mais elevado (69). Einstein expressou-se assim: "A esperança de garantir a
segurança nacional por meio do suprimento de armas no estado atual da
tecnologia militar, é uma ilusão desastrosa." Não havendo uma mudança radical
de atitude, pouca perspectiva restará para a felicidade, ordem, liberdade, paz,
justiça e fraternidade.Em mensagem à Comunidade Internacional Bahá'í, Shoghi Effendi em
1936, manifestou sua preocupação pela humanidade que estava se preparando
para a guerra e sofrendo com os sufocantes gastos militares:
"Com mais de dez milhões de homens em armas, treinados no uso das
mais abomináveis máquinas de destruição que a ciência podia imaginar; com o
triplo deste número de pessoas agastadas submetidas ao jogo de governos e
raças alienígenas; com multidões igualmente vastas de cidadãos impotentes para
prover para si mesmos seus bens materiais e necessidades para a vida, enquanto
outros estão deliberadamente destruindo esses valores; com uma massa humana
ainda maior gemendo sob o peso de crescentes gastos com os armamentos,
enquanto o comércio internacional está chegando a um virtual colapso - com
males como esses a humanidade parece se aproximar da beira de uma fase de
agonia de sua própria existência." (71)E novamente ele preveniu todos os estados-nações na mesma mensagem:
"Se uma guerra eclodir novamente numa ampla escala na Europa, ela
inevitavelmente trará em sua esteira o colapso da civilização, tal como a
conhecemos agora."Assim o Guardião da Fé Bahá'í manifestou em tom afirmativo, o que
previamente foi declarado por Lord Brayce: "Se tu não acabares com a guerra, a
guerra acabará contigo."Nós todos conhecemos o grau de atenção que o mundo prestou a estas
advertências. A guerra mundial estourou e nas suas trágicas seqüências, quarenta
milhões de pessoas perderam suas vidas.Desde então as coisas deterioraram e se agravaram os sintomas de um
mundo enfermo. A infecção da Segunda Guerra Mundial passou a ser latente, mas
de vez em quando ela se manifesta e à medida que o tempo avança, a
humanidade crescente mente está mostrando sua prostração moral, social,
pol(tica e econômica. A esperança de que a humanidade se torne consciente da
necessidade, senão da inevitabilidade de uma nova ordem mundial, depois da
amarga e altamente custosa experiência da guerra mundial, está se
desvanecendo. Agora temos que admitir, que o existente caos que a ordem
mundial vigorante desesperadamente procura sanar ou negar, mostra sinais
alarmantes de uma iminente catástrofe mundial.Pensar que a humanidade e seus sistemas de liderança não são capazes
de distinguir entre um ato bom e um mau, que eles não têm a capacidade de
perceber as graves conseqüências das guerras, que eles não podem prever as
conseqüências terríveis de outra guerra mundial, ainda muito mais trágica por
causa da intervenção das armas nucleares, é uma suposição errônea.
Evidentemente existe uma grande diferença entre o que se poderia chamar de
"estar informado" e "estar consciente". A humanidade e, especialmente seus
órgãos administrativos, estão "informados", mas ainda não estão· "conscientes"
das lamentáveis conseqüências de tão pavoroso acontecimento. Especificamente
eles não estão nem suficientemente informados, nem adequadamente conscientes
dos princípios e métodos espirituais, morais, sociais, econômicos, institucionais...
que devem ser considerados para que a catástrofe seja evitada.
A soma de informações sobre esses fatos assim acumuladas podem ser
chamados "ciência", mas não chegam a ser "conhecimento". Elas são
armazenadas, memorizadas em computador, arquivadas e usadas
ocasionalmente, em variadas formas para finalidades científicas e políticas, mas
elas não são assimiladas coerentemente, e não são integradas dentro do âmago
afetivo das personalidades humanas. Se elas fossem, teriam a capacidade de
abalar a própria estrutura interna das consciências.
Qual é o resultado deste estado de afazeres? Os cientistas se satisfazem
plenamente com suas pesquisas. Quanto mais científicos eles pretendem ser,
tanto mais tratam de ser objetivos e preocupados com quantidades e tanto menos
permitem ser influenciados por qualidades e valores. Em tais circunstâncias o
público é avaliado dentro de uma vida puramente objetiva e quantitativa, tornando-
se uma soma de dados tecnológicos. A medida que esta tecnologia se torna
sofisticada, ela será a causa de perda de valores humanos, se os seus efeitos
colaterais não forem prevenidos adequadamente. Uma tecnologia que se dedica
mais para a produção de materiais da guerra, que para a construção de uma vida
melhor. O conjunto destes problemas trouxe consigo uma vida intolerável, cheia
de ambigüidades, tumultos e ansiedades de um lado e, um abandono de
consciência e de vida íntima por outro lado.Por este motivo, o homem tornou-se incapaz de tolerar um momento de
solidão, de reflexão e meditação. Ele não tem tempo e até perdeu sua aptidão de
estabelecer um diálogo íntimo consigo mesmo. O "Eu" deveria ser nutrido com os
recursos da consciência para não ficar paralisado. Quando a consciência que é a
orientadora moral não fornece mais a distinção entre o bem e o mal para o ser
humano, ele fica cativo do seu egoísmo que é a doença moral dos nossos tempos.
As condições sociais assim criadas produzem indivíduos sem esperanças,
aterrorizados e ansiosos que, em reação de fuga, procuram novos estímulos e
tendem a ficar neuróticos e dependentes. Desta maneira, a guerra, o inimigo, está
alojado dentro do homem. Isto desequilibra todos os aspectos da vida social, ou
seja, a moral, a arte, a ciência e outros."Não se encontrarão dois homens", lamenta Bahá'u'lláh, "dos quais se
possa dizer, que estejam unidos externa e intimamente. A evidência da discórdia e
da malícia está em toda parte, embora, todos sejam criados para a harmonia e a
união." (75)Shoghi Effendi cita, assim, as palavras de Bahá'u'lláh: "Durante quanto
tempo a humanidade persistirá na sua negligência? Durante quanto tempo
continuará li injustiça? Durante quanto tempo ainda reinará o caos e a discórdia
entre os homens? Durante quanto tempo a discórdia agitará a face da sociedade?
Ai, os ventos do desespero estão soprando de todas as direções e as lutas que
dividem a raça humana, estão aumentando dia a dia." (74)
A família que é a principal unidade estrutural da sociedade e que· deveria
ser o exemplo da união perfeita, mostra a mais lamentável, a mais desalentadora
dilaceração e degradação à qual o Guardião da Fé Bahá'í assim se refere:
"O enfraquecimento da solidariedade familiar, a lassidão no controle dós país, o
declínio para a indulgência do luxo, a atitude irresponsável frente ao casamento e
a conseqüente maré crescente de divórcios, o aviltamento da arte e da música, a
contaminação da literatura e a corrupção da imprensa, a extensão da influência e
da atividade dos "profetas da decadência" que advogam o amor livre e que se
recusam a considerar a geração de filhos como o propósito sagrado e primário do
casamento, que denunciam a religião como sendo o ópio do povo e que, se lhes
fosse dado total liberdade de ação, levariam a raça humana ao estado selvagem,
ao caos e finalmente à sua extinção. Mostram-se assim as características
predominantes de uma sociedade decadente, uma sociedade que forçosamente
deve renascer ou perecer." (75)Como é que se poderia chamar tal situação social, tal estado de coisas? A
guerra é sinônimo de uma profunda convulsão. Convulsões, porém, podem existir
sem que haja propriamente alguma guerra. Todos estes processos são
relacionados um com o outro. Às vezes, os fenômenos se sucedem de maneira
centrípeta. Começam na periferia e se desenvolvem em direção ao centro.
Fenômenos bélicos tornam-se motivos para convulsões sociais, familiares e
finalmente pessoais. Outras vezes o processo se inicia no centro e se expande
para a periferia. Rupturas sociais tornam-se causas de guerra. Seria teórico
separar estes dois processos ou supor que um deles tenha prioridade sobre o
outro. No que se refere ao seu desenvolvimento, eles se relacionam
reciprocamente como causa e efeito. e difícil adotar um ponto de partida etiológico
nos problemas sociais, a não ser que sejam examinados numa perspectiva natural
da história. Se adotarmos tal método, tudo converge para o comportamento do
homem e sua maneira de encarar os fenômenos. O problema da paz e da guerra
não foge a essa regra. É preciso, portanto, examinar o comportamento do homem
para descobrir a origem da paz e a causa da guerra. Nesta perspectiva, paz e
guerra são dois processos centrífugos. O sentimento de boa vontade nunca pode
perturbar o processo natural da paz, mas apenas pode promovê-lo. O ser humano,
seja de que posição social for, ao sentir a paz e compreendê-la, a manifestará
naturalmente em atos em todos os níveis: intrapessoal, interpessoal, intranacional
e internacional. Seria, portanto, apropriado constatar, que como resultado de um
desenvolvimento psico-social indesejável do caráter humano, mencionado acima,
e um empobrecimento da vida interna, o homem perde gradualmente o sentido da
vida e, quando o homem não acha mais significação para a vida, ele adoece (V.
Frankel, 1978) (76).A sociedade como um todo também necessita de um significado global, de
um propósito, para que possa existir. A religião de maneira geral e especialmente
a Fé Bahá'í, para a nossa época, confere este significado à vida,ao restabelecer o
sistema de valores de um lado e' uma nova ordem mundial por outro lado,
pertencendo ambos, ao advento de um processo providencial que se manifesta na
realidade da vida. A força que emana deste processo se integra no íntimo da
personalidade, anima o sistema interno de deliberação e dirige finalmente o
sistema de ações. A soma de todos estes processos interdependentes pode ser
chamado "Fé" - segundo analisamos no início deste tratado. As forças assim
integradas na "Fé", serão canalizadas para o propósito da vida: desenvolvimento e
madureza.Recentemente vários pesquisadores começaram a fazer investigações
sobre o propósito da vida que durante algumas décadas foram negligenciadas.
Muitos filósofos e todos os grandes luminares espirituais, escreve D. Selwartz
(1977) (87), analisaram o assunto da natureza humana e se observa um
surpreendente acordo geral. Platão, além de Sócrates, disse que todos nós fomos
criados com a imagem e semelhança de um modelo divino e Cristo disse que "O
Reino de Deus está dentro de ti". Buda revelou que "dentro de cada ser humano
reside o universo inteiro". Bahá'u'lláh se manifestou assim:
"Quão esplendorosa é a luz do conhecimento que brilha dentro de um
átomo e como é vasto o oceano de sabedoria dentro de uma gota! A um grau
supremo isto é verdade referente ao homem que, entre todos os seres criados, foi
investido com o manto de tal distinção. Pois nele estão revelados potencialmente
todos os atributos e nomes de Deus a um nível que nenhuma outra criatura
ultrapassou. Até Ele (Deus) disse: "Homem é Meu mistério e Eu sou o seu
Mistério". (80)O homem é a fonte de forças potenciais altamente complexas que em
circunstâncias favoráveis podem ser levadas a formas reais de construção e
criatividade."O homem é o supremo talismã. A falta de uma educação adequada,
porém, privou-o daquilo que ele possui inerentemente. Através de uma palavra
que procede da boca de Deus ele foi chamado para a existência... Considere-se o
homem como uma mina rica em gemas de inestimável valor. Somente a educação
pode fazer com que seus tesouros venham à tona e capacitar a humanidade e
delas se beneficiar. " (87)Referindo-se à importância da educação e seus efeitos sobre o homem,
'Abdu'l-Bahá explica:"Diz-se que o homem é o mais importante representante de Deus e ele é o
Livro da Criação, porque todos os mistérios da existência nele se encontram. Se
ele entrar na sombra do verdadeiro educador e for devidamente instruído, ele será
a fonte de qualidades espirituais, a alvorada de luz celestial e o receptáculo de
inspirações divinas. Se ele for privado desta educação, ele se transformará em
manifestação de qualidades satânicas e origem de todas as condições negativas".
(82) "Em situações de estresse, sob o impacto de forças regressivas pessoais ou
sociais. as virtudes podem facilmente deteriorar", escreve R. Einstein (1978 (83).
"Uma virtude pode se transformar em conflito neurótico e tornar-se, assim,em
instrumento defensivo que não se adapta." Einstein ainda propõe: "A capacidade
de maturação de uma criança pode ser prejudicada por um ambiente adverso,
cheio de ansiedade e ódio e por uma sociedade super-industrializada e
despersonalizante." (83)Sobre a empatia, a origem do altruísmo que constitui um dos fundamentos
principais do sentimento de paz no homem, escreve R. Cohen (1978) (84): "A
empatia é a visão consciente que o eu possui da consciência de outrem." A
mobilização das forças íntimas que se destinam à empatia e a manifestação do
altruísmo, depende em grande parte da boa influência da mãe, pois a empatia é a
resultante da capacidade de imitação, da identificação e da interiorização que são
os três processos básicos de uma boa educação social e aprendizado para
crianças.A criança imita o modelo quando ama o modelo. Este é um dos fatores mais
importantes que contribuem ao estabelecimento de uma tendência geral para a
paz, para a harmonia e para a devoção.A mãe, a família e a sociedade em conjunto, contribuem na estruturação de
uma personalidade pacífica, moderada e equilibrada.
A Fé Bahá'í ensina os princípios para a construção de uma sociedade
pacífica ao colocar uma ênfase especial sobre a importância das várias formas de
educação - espiritual, intelectual, social e física - desde o nascimento da criança.
Ela também oferece as instruções ligadas a normas e valores sociais, entre as
quais a justiça e a eqüidade, que constituem os alicerces das instituições
destinadas a transformá-las em vivência real."Não há nenhuma força sobre a terra", proclama Bahá'u'lláh, "que pode se
igualar a poderes conquistados com a força da justiça e da sabedoria." (77) E
novamente Ele afirma: "A essência de tudo que temos revelado para ti é justiça. "
(78) Ainda em outra epístola Ele ensina: "O propósito da justiça é o
estabelecimento da unidade entre os homens. " (79)
Estes princípios da Fé Bahá'í, cujo conceito central é a "Unidade", dão à
humanidade a convicção de que finalmente ela encontrará a sua paz e se livrará
dos pesados fardos que os povos ainda estão suportando.
Bahá'u'lláh conclamou a humanidade com estas palavras: "Ó vos, filhos do
homem, o propósito fundamental que anima a Fé de Deus e Sua religião é o de
salva-guardar os interesses e promover a unidade da raça humana. O bem estar
da humanidade, sua paz e sua segurança não poderão ser alcançados, enquanto
não se estabelecer firmemente sua unidade. "Concluímos este artigo com a parte final da introdução à "Proclamação de
Bahá'u'lláh aos Reis e Governantes do Mundo", compilada pela Casa Universal de
Justiça e na qual se citam extratos dos escritos de Shoghi Effendi, nos quais são
tratados os problemas da atualidade e as medidas necessárias para as suas
soluções."A unidade do gênero humano, assim como Bahá'u'lláh a concebeu,
compreende o estabelecimento de uma comunidade mundial em que todas as
nações, raças, credos e classes estejam estreita e permanentemente unidos, e em
que a autonomia dos estados que a compõem, e a liberdade e iniciativa pessoal
dos seus membros individuais, sejam garantidas de um modo definitivo e
completo. Tal comunidade mundial deve abranger, segundo o nosso conceito,
uma legislatura mundial, cujos membros, os representantes de todo o gênero
humano, virão a controlar todos os recursos das respectivas nações componentes
e criar as leis que forem necessárias para regular a vida, satisfazer as
necessidades e ajustar as relações de todas as raças e povos entre si. Um
executivo mundial, apoiado por uma força internacional, executará as decisões.
dessa legislatura mundial, aplicará as leis por ela criada, e protegerá a unidade
orgânica da comunidade mundial. Um tribunal mundial deverá adjudicar toda e
qualquer disputa que surja entre os vários elementos que constituem esse sistema
universal, sendo irrevogável a sua decisão. Um sistema de intercomunicação
mundial será adotado que abranja todo o planeta, e, livre de qualquer embaraço
ou restrição nacional, funcionará com admirável rapidez e perfeita regularidade.
Uma metrópole mundial será o centro de uma civilização mundial, o foco para a
qual convergir6o as forças unificadoras da vida e da qual hão de irradiar as suas
influências vigorantes. Um idioma mundial será criado ou escolhido dentre as
línguas existentes e será ensinado em todas as nações federadas como auxiliar à
língua nativa. Uma escrita mundial, uma literatura mundial, um sistema uniforme
de moeda, de pesos e· medidas simplificarão e facilitarão o intercâmbio e
entendimento entre as nações e raças da humanidade. Em tal sociedade mundial,
a ciência e a religião, as duas forças mais potentes da vida humana, serão
reconciliadas, assim cooperando e desenvolvendo-se harmoniosamente. Não
mais será a imprensa, sob tal sistema, perniciosamente dominada por interesses,
quer particulares, quer públicos, embora dê plena expressão às várias opiniões e
convicções do gênero humano; e será livrada da influência de governos e povos
querelantes. Os recursos econômicos do mundo serão organizados, suas fontes
de matérias primas serão exploradas e completamente utilizadas, seus mercados
serão coordenados e desenvolvidos e a distribuição de seus produtos será
regulada de um modo eqüitativo."As rivalidades entre as nações, os ódios e as intrigas, cessarão, e os
preconceitos e animosidades de raça serão substituídos por amizades,
entendimento mútuo e cooperação. Não mais existirão os motivos da contenda
religiosa; abolir-se-ão as barreiras e restrições econômicas, e a desmedida
distinção entre as classes será eliminada. Desaparecerão a pobreza extrema por
um lado e, por outro, a excessiva acumulação de bens. A quantidade de energia
que se desperdiça com a guerra, quer econômica ou política, será dedicada à fins
como estes: a extensão do alcance das invenções humanas e do desenvolvimento
técnico, o aumento da capacidade produtiva da humanidade, o extermínio das
moléstias, a ampliação das pesquisas científicas, a adoção de mais altos padrões
de saúde física, a refinação do cérebro humano, a exploração dos recursos do
planeta que ainda não foram utilizados ou descobertos, o prolongamento da vida
do homem, a promoção de qualquer outro meio de estimular a vida intelectual,
moral e espiritual da humanidade inteira."A meta para a qual a força unificadora da vida impele a humanidade é um
sistema federal mundial que regerá toda a Terra, exercendo uma autoridade
inquestionável sobre os seus recursos inimaginavelmente vastos, harmonizando e
incorporando os ideais de Leste a Oeste, liberto do flagelo da guerra e suas tristes
conseqüências, esforçando-se por aproveitar todas as fontes de energia existente
na superfície do planeta - um sistema em que a Força se subordina à Justiça, e
cuja vida é sustentada por seu reconhecimento universal de um só Deus e sua
lealdade a uma Revelação comum."Toda a humanidade geme, anseia por ser conduzida à unificação e assim
terminar seu martírio secular. E, todavia, obstinadamente, recusa-se a aceitar a
luz e reconhecer a autoridade soberana do único Poder capaz de livrá-la de seus
embaraços e dela desviar a trágica calamidade que ameaça engolfá-la.
"A unificação da humanidade inteira é o distintivo da etapa da qual a
sociedade humana atualmente se aproxima. A unidade de família, de tribo, de
cidade-estado e de nação foram sucessivamente tentadas e completamente
estabelecidas. A unidade do mundo é agora a meta à qual a humanidade em sua
aflição dirige os seus esforços. O processo de formar nações já chegou ao fim. A
anarquia inerente à soberania estatal aproxima-se de um clímax.
Um mundo marchando para a maturidade deve abandonar esse fetiche,
reconhecer a unicidade e a integridade das relações humanas, e estabelecer de
uma vez por todas, os instrumentos que melhor possam concretizar este princípio
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development. Pergamon int 1978.71 - Shoghi Effendi. The World Order of Bahá'u'lláh (Wil) p. 1978.
72 - Shoghi Effendi. Ibid, p. 1983.73 - Bahá'u'lláh. Quoted by Shoghi Effendi World Order of Bahá'í u'lláh. p. 188.
74 - Ibid, p. 187.76 - Frankel, V. The Unheard Cry for Meaning (Hodder and Bughton) 1978.
77 - BaháVlláh. Tablets F. Publ. Bahá'í World Center 1978.
78 - Ibid, p. 157.79 - Bahá'u'lláh. Quoted by Shoghi Effendi, in The Advent of Di· vineJustice. BPT
(WiI) 1971, p. 23.80 - Bahá'u'lláh. Gleanings from the Writings. BPT (London) 1978, p. 171.
81 - Ibid, p. 258 82 - Abdu'I-Bahá. Some Answered Question, p. 219.
83 - Ekstein, R. in Wispe L. Altruism symp. (psychoanalysis of) 1978.
84 - Cohen, R. Altruism, human cultural or what? in Altruism Sympathy and
Helping Wispe. 1a. Ed, p. 1978.85 - Bahá'u'lláh. The Proclamation of Bahá'u'lláh. Publ. Bahá'í World Center 1972.
86 - Shoghi Effendi in The Proclamation of Bahá'u'lláh. Publ. Bahá'í (World Center
1972.87 - Schwarz. Toward a global spirit, in E. Laszlo & J. Bierman (eds) Goal in a
global Community (Pergamon Press) 1977.88 - Rabbani Ruhiyyeh (Amatu'I-Bahá) Prescription For Living (George Ronald) Ed
1979, p. 200.90 - Maslow, A. A theory of human motivation psychological review 50, 1943.
91 - Goldstein, K. Human nature in the Iight of Psychopathology (Har Uni Pr) 1940.
92 - Maslow, A. The farther reach of human nature (Viking Pr) 1971.
SOBRE O AUTORHoushang Khazraí, 54 anos, Doutor em medicina (Univ. Shíráz, Irã),
Diplomas pós-doutorados em Medicina Tropical e Higiene (Univ. Londres,
Inglaterra); em Leprologia e estágio em Dermatologia (Univ. Paris-V, França); em
Parasitologia Médica (Univ. Montpellier-I, França); em Medicina Tropical (Univ.
Montpellier-I, França); em Gastroenterologia (Univ. Montpellier-I, França).
Na área de Psicologia ele é possuidor de Doctorat de 30 cycle (em
Psicologia) e Doctorat d'Etat es Sciences Humaines (área: Psicologia) ambos da
Universidade Paul Valéry, Montpellier, França.1-2 - Epidemiologia e tratamento radical de Malária. Junto com: Inst. de
Malariologia da Univ. de Teerã; Organização de Controle da Malária (Irã);
Organização Mundial da Saúde (Suíça) (resultados publicados.)
1-2 - Hormônios gastro-intestinais. Junto com um grupo de pesquisa e como
colaborador de Pesquisa, Univ. Montpellier-I, França (vários artigos publicados
nas revistas internacionais).2-1 -- Estudo Psicológico e Psico-Fisiológico das Emoções (Univ. Paul Valéry,
França)2-2 - Uma nova teoria da Personalidade (Univ. Paul Valéry, França)
3 - Variados - Outros Pesquisas teóricas.